Leiria Existe com o +CINEMA Leiria
- ALA D'ARTISTAS
- 20 de mai.
- 3 min de leitura
No dia 16 de maio de 2025, a sala BlackBox, no coração de Leiria, encheu-se até à última cadeira. A estreia do +CINEMA Leiria não foi apenas um evento cultural: foi uma afirmação de um território, de uma comunidade e de uma visão partilhada de futuro. Sala esgotada, aplausos sentidos, olhos marejados, debates acesos — e sobretudo, a clara sensação de que o cinema comunitário não é apenas relevante: é urgente.
O que é, afinal, o cinema comunitário? Mais do que uma forma de produção ou um subgénero estético, é uma prática cultural e social que coloca os corpos e as vozes das comunidades no centro do processo criativo. Trata-se de devolver o olhar cinematográfico às pessoas, permitindo que deixem de ser apenas espectadores para se tornarem agentes da imagem, construtores da narrativa, portadores de histórias reais, complexas, e quase sempre invisibilizadas.

A noite de estreia do +CINEMA Leiria 2025 provou isso mesmo. Os filmes apresentados — resultantes de meses de formação, escrita, ensaios, improvisações e rodagens em espaços comunitários — não foram apenas exercícios audiovisuais. Foram espelhos de identidades múltiplas, de tensões sociais, de afectos partilhados. Neles, a linguagem cinematográfica esteve ao serviço de uma ética do cuidado, da escuta e da representação justa. Não se tratou de "dar voz aos outros", mas de amplificar vozes já existentes, historicamente silenciadas.
Como afirma a investigadora britânica Ellie Rennie, no seu trabalho sobre media participativos:
“O media comunitário é um lugar onde a democracia cultural acontece — não como teoria, mas como prática.”
E é disso que falamos quando falamos de cinema comunitário: de um exercício radical de democracia cultural, onde os saberes populares, as estéticas do quotidiano e as poéticas da margem ganham espaço de visibilidade e celebração.
O +CINEMA Leiria 2025 não é apenas um festival, mas uma metodologia em desenvolvimento, um projeto de capacitação artística, de inclusão, de descentralização da cultura e de reinvenção das formas de fazer cinema. As oficinas de direção de atores, escrita de guião, racord e continuidade, montagem ou som, proporcionaram a cerca de 20 participantes — profissionais, amadores e curiosos — uma experiência de criação coletiva raramente acessível em modelos tradicionais.
A BlackBox, transformada em sala de estreia, tornou-se símbolo dessa abertura: um espaço que acolhe, escuta e devolve. A presença de público diverso — jovens, seniores, técnicos, famílias, artistas, curiosos — reforça o valor intergeracional e plural do projeto. As reações no final da sessão misturavam o orgulho local com a surpresa estética: "Nunca pensei ver algo assim feito por nós", disse uma espectadora emocionada.
E esse "nós" é a chave. Porque o cinema comunitário não é uma concessão de qualidade em nome da inclusão. Pelo contrário: é uma afirmação estética e política de que a qualidade artística pode (e deve) emergir da colaboração, da escuta e da partilha. Não há dicotomia entre profissionalismo e comunidade quando se respeita o processo, quando se investe na formação, e quando se confia nos criadores — sejam eles técnicos ou vizinhos, atores formados ou mães de família.
O +CINEMA Leiria 2025, com apoio do Município de Leiria, da DGArtes e de uma rede de parceiros locais, é uma semente plantada num solo fértil: o da criação participativa, crítica e situada. Que venham mais estreias, mais encontros, mais filmes que nos fazem ver — e rever — a nós próprios.
Porque, como disse Agnès Varda,
"se filmarmos os outros com ternura, acabamos por filmar o mundo com esperança."
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