MeMaze: O Processo Criativo
- ALA D'ARTISTAS
- 5 de fev.
- 3 min de leitura
Há quem diga que a arte deve acalmar, organizar o mundo, dar-lhe um sentido. Mas e se for justamente o contrário? E se a arte servir para provocar, desorganizar, incomodar — e só depois, talvez, curar? MeMaze, a mais recente produção multidisciplinar da ALA D’ARTISTAS, nasce desse impulso: um gesto de revolta contra a apatia interior, uma travessia emocional em direção ao desconhecido de nós mesmos. Trata-se de um espetáculo-labirinto onde o corpo, a palavra e o som colapsam, se contradizem e se reerguem num ciclo de tentativa e erro. E talvez seja precisamente nesse erro que se esconda a verdade.

Com direção artística partilhada entre diferentes vozes criativas e uma equipa de 15 intérpretes — entre profissionais e não profissionais — MeMaze desconstrói a ideia de identidade fixa, propondo um mergulho radical no caos do eu. Participam nomes como Lília Pato, Rita Rosa e Marisa Santos, artistas que emprestam o corpo e a vulnerabilidade ao palco, expondo as suas fragilidades sem filtros. A coreografia de Hugo Cabral Mentes e Catarina Brito contamina o espaço com um movimento que é ora libertação, ora contenção — e é nesse atrito que o espetáculo respira.
A música, composta e interpretada ao vivo por Francisco Mascaranhas, Lívia Dias e Francisco Marques, numa parceria com a Next Level Productions, não acompanha: ela confronta. As suas texturas eletrónicas, por vezes dissonantes, servem como reflexo das paisagens internas dos intérpretes, ora hipnóticas, ora violentamente pulsantes. Um espectador comentou à saída: "parecia que o som vinha de dentro do meu crânio". Não há trilha sonora; há uma experiência sonora.
MeMaze — apoiado pela CCDR Centro — coloca em palco o tema do labirinto interior. Uma metáfora já gasta? Talvez. Mas aqui, ela é reinventada. Não há Minotauro à espreita: o monstro está entranhado no próprio tecido do espetáculo. Somos nós. Nós, espectadores, criadores, humanos. Somos o inimigo e a fuga. Somos o susto e a esperança. Como escreveu a filósofa Julia Kristeva:
“Só nos tornamos sujeitos ao encarar o abjeto que somos. O sujeito não nasce do equilíbrio, mas da crise.”
A proposta de MeMaze é precisamente essa: viver a crise como estética, como método, como ética. Não há narrativa linear, nem catarse fácil. Há fragmentos. Vozes que se sobrepõem. Gestos que se anulam. Pessoas que tropeçam em si mesmas e se levantam no outro. Há momentos de silêncio brutal, e há explosões de energia que parecem querer rasgar a cena ao meio.
O processo criativo foi igualmente labiríntico — e aqui entra a parte mais refutável da minha opinião: não acredito em criação organizada. Acredito no caos. Acredito em métodos que se quebram, em planos que falham, em improvisações que revelam mais do que qualquer estrutura prévia. Em MeMaze, nada foi criado sozinho. Não há hierarquia clássica. Houve escuta mútua, houve colapso de egos. Houve dias em que não sabíamos se tínhamos um espetáculo. E foi justamente aí que ele começou a nascer.
Para alguns, MeMaze poderá parecer confuso, desconexo, hermético. Não nego. É um espetáculo que exige risco, que rejeita o conforto do expectável. Mas acredito que é nesse desconforto que reside a força desta obra. Não é uma peça para compreender — é para sentir. Para resistir. Para se perder.
Porque no fundo, como nos diz MeMaze, o caminho não é para fora. O caminho é para dentro. E talvez, só talvez, sejamos mesmo o nosso próprio labirinto — e também a nossa única saída.
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