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Aljubarrota fica em Espanha?

Quando a cultura no interior é tratada como território estrangeiro.

Na região Centro de Portugal, onde o peso da História coabita com a promessa do futuro, a vila de Aljubarrota permanece como um símbolo incontornável da identidade nacional. Mas se o seu nome evoca bravura e resistência no plano histórico, a sua realidade cultural contemporânea enfrenta uma batalha mais silenciosa e desvalorizada: a de fazer existir, com dignidade, a arte e a cultura no interior do país.

Uma paisagem rica, um tecido fragilizado

A região Centro é diversa em recursos humanos, tradições, práticas artísticas e património edificado. Desde festividades religiosas e populares até projetos contemporâneos de criação artística, há uma efervescência criativa latente. Mas latente é precisamente o problema. Esta cultura existe, sim, mas muitas vezes fora do alcance dos grandes centros de decisão, longe dos olhos dos mecanismos de financiamento e escassamente reconhecida nas políticas públicas de cultura que continuam, em larga medida, centralizadas em Lisboa e Porto.

Aljubarrota, freguesia do concelho de Alcobaça, é o espelho desta realidade. Conhecida nacionalmente pela Batalha de 1385, continua injustamente confinada a esse acontecimento. Mas a vila é hoje palco de um pulsar cultural discreto mas insistente, feito de artistas, coletivos, associações e públicos que acreditam que criar é também resistir.


As dificuldades de fazer arte fora dos centros urbanos

As estruturas culturais da região Centro, sobretudo nos territórios mais rurais ou de baixa densidade populacional, enfrentam uma precariedade estrutural. Os artistas e agentes culturais são muitas vezes obrigados a acumular funções, a autofinanciar projetos ou a abdicar de condições profissionais básicas. Falta investimento continuado, equipamentos preparados, redes de apoio e políticas que compreendam as especificidades locais. Esta assimetria territorial transforma a cultura em resistência permanente.

Há também uma profunda injustiça no modo como se distribuem os fundos de apoio à criação artística: raramente chega a verba suficiente às mãos de quem está em primeira linha da dinamização cultural do interior. A descentralização cultural é um discurso bonito que ainda não desceu verdadeiramente à prática institucional.


ALA D’ARTISTAS: erguer um novo legado

No meio deste panorama desigual, emergem forças transformadoras. A ALA D’ARTISTAS - Associação Cultural e Artística, com sede na vila de Aljubarrota, tem vindo a afirmar-se como um desses polos de resistência ativa e criativa. Não se trata apenas de fazer programação: trata-se de criar oportunidades, de construir comunidade e de devolver o orgulho identitário a um território muitas vezes esquecido.

Com projetos que vão da formação artística juvenil à organização de festivais como o FAAL - Festival de Artes de Aljubarrota, passando por oficinas intergeracionais, espetáculos de teatro, residências e exposições, a ALA atua como plataforma de inclusão, profissionalização e criação contínua. Fá-lo com poucos meios, mas com uma força coletiva admirável.

Ao contrário de tantas estruturas culturais efémeras, a ALA D’ARTISTAS consolida-se com uma visão: recuperar Aljubarrota do lugar simbólico do passado e trazê-la para o centro do futuro cultural da região. Em vez de um museu à céu aberto, a vila é tratada como um organismo vivo, em mutação, com espaço para a experimentação e para o diálogo entre gerações, expressões artísticas e comunidades.


Potencialidades por cumprir

A região Centro e, em particular, territórios como Aljubarrota, têm um potencial cultural imenso, ainda por cumprir. Com acesso a património histórico riquíssimo, saberes tradicionais vivos, espaços naturais inspiradores e uma população com vontade de participar, tudo está por fazer — mas tudo é possível.

Com estratégias de financiamento mais justas, redes colaborativas mais fortes e um reconhecimento efetivo do papel dos territórios periféricos na vida cultural nacional, poder-se-ia transformar a atual resistência numa política de desenvolvimento sustentado.


Conclusão: criar como gesto político

Num tempo em que a cultura parece, tantas vezes, um luxo supérfluo e as periferias são remetidas ao silêncio, criar e promover arte em Aljubarrota é, mais do que nunca, um gesto político. A ALA D’ARTISTAS é hoje uma trincheira simbólica, tal como o foi outrora o campo da batalha. Mas agora, em vez de armas, empunha palavras, imagens, movimentos, sons — e sobretudo, uma visão de futuro onde cultura e justiça caminham lado a lado.

É tempo de o país ouvir esta voz.


 
 
 

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